Quiropraxia é segura?
Eventualmente a mídia relaciona situações onde um profissional que se dizia quiropraxista, mas que não se tratava de um graduado em quiropraxia, teria se envolvido em uma situação de lesão grave de uma de suas pacientes.
Esse tipo de confusão ainda é possível no Brasil devido à falta de regulamentação da quiropraxia no país, o que permite a profissionais de outras áreas se declarem quiropraxistas sem terem cursado a graduação e sem respeitarem as diretrizes da Organização Mundial de Saúde (1) para a formação adequada.
Tendo introduzido brevemente o contexto dessa situação de grande importância dos fatos sociais, vamos agora aos fatos científicos.
Vejamos o que sabemos, com base em evidências, a respeito da segurança das manobras de manipulação articular, quando realizadas por quiropraxistas graduados e devidamente treinados.
Um ponto de partida dos mais atuais e relevantes é o artigo “Strain of the vertebral artery during passive neck movements and spinal manipulation of the cervical spine” da quiropraxista Caroline Fagundes, publicado em 2024.
Fagundes e Herzog conduziram um estudo sobre a tensão mecânica exercida na artéria vertebral (AV) durante movimentos passivos do pescoço no que os autores chamam de “terapia quiroprática de manipulação articular cervical” (cSMT), ou seja, manobras de manipulação articular comumente utilizadas por quiropraxistas em diversas situações, como por exemplo para o tratamento de dores cervicais.(2)
O objetivo da pesquisa foi quantificar o alongamento total da AV durante manobras de cSMT e compará-lo com as tensões observadas em movimentos passivos normais do pescoço (2). A metodologia incluiu a utilização de três modelos em cadáver, nos quais os alongamentos da AV foram medidos nos níveis da coluna cervical C0–C1, C1–C2 e C2–C3, primeiro durante a execução de movimentos passivos e em seguida durante a realização de manobras de manipulação articular desses segmentos. (2).
Os resultados indicam que a cSMT produziu tensões na AV consideravelmente menores do que aquelas observadas nos movimentos rotineiros da cabeça e do pescoço, demonstrando que essas técnicas de quiropraxia para manipulação cervical não causam uma tensão excessiva na AV, o que indica tranquilidade sobre o potencial risco de dissecção arterial associada a “derrames”, ao menos quando as manobras são realizadas por quiropraxistas devidamente treinados na graduação (2).
Além disso, os autores ressaltam que o correto posicionamento da cabeça e do pescoço na fase pré-manipulativa da cSMT contribui para a redução da tensão sobre a AV, especialmente no lado ipsilateral, diminuindo assim o alongamento total durante a realização das técnicas (2).
Adicionalmente, os resultados demonstram que as tensões exercidas durante a cSMT permanecem dentro dos limites normais vivenciados durante os movimentos diários do pescoço, reforçando a segurança desta prática terapêutica comum no cotidiano clínico da quiropraxia (2).
Em uma pesquisa anterior, avaliando os efeitos mecânicos da manipulação articular cervical sobre a artéria vertebral, Herzog e Symons, exploraram os possíveis riscos associados. Eles destacaram que, embora houvessem preocupações sobre a lesão/dissecção da artéria vertebral durante as manipulações cervicais, essas ocorrências são extremamente raras. Os autores argumentam que grande parte das pesquisas anteriores teve como foco o fluxo sanguíneo pela AV, sugerindo que a oclusão temporária durante a manipulação poderia levar a complicações, como um acidente vascular cerebral.
No entanto, os pesquisadores consideraram essa hipótese exagerada, dada a curta duração das manipulações e a capacidade do cérebro de suportar breves interrupções no fluxo sanguíneo (3)
A partir de medições detalhadas, Herzog e Symons já haviam demonstrado que os alongamentos da artéria vertebral durante as manipulações são significativamente menores do que os observados durante movimentos normais da cabeça e pescoço. Esses alongamentos estão muito abaixo do nível necessário para causar danos mecânicos à artéria. Portanto, os autores concluíram que é improvável que a manipulação articular cervical cause lesões mecânicas na AV, quando realizada corretamente e por profissional devidamente graduado em quiropraxia, reforçando a segurança dessa prática terapêutica quando executada corretamente (3)
Em outra publicação dos mesmos autores, os resultados demonstraram que a manipulação articular cervical provocou tensões significativamente menores do que as necessárias para causar ruptura mecânica da artéria vertebral, embasando mais uma vez tudo que analisamos até o momento. O alongamento máximo registrado durante as manobras foi de 6,2% no segmento distal dessa artéria, enquanto a falha mecânica só ocorreu quando a AV foi esticada até 153% do seu comprimento original.
Os autores concluíram que, sob condições normais, é altamente improvável que uma manipulação articular típica cause danos mecânicos à AV, sugerindo que esse procedimento é seguro dentro das circunstâncias clínicas analisadas e quando realizado por profissional qualificado (4)
Já em "Quantifying strain in the vertebral artery with simultaneous motion analysis of the head and neck: A preliminary investigation", publicado em 2014, Piper, Howarth, Triano e Herzog exploraram a relação entre os movimentos da cabeça e pescoço e a tensão mecânica na AV. O estudo se propôs a medir as tensões na artéria vertebral durante movimentos passivos da cabeça e pescoço em três cadáveres. A pesquisa foi realizada com foco na rotação e flexão-extensão da cabeça, além de analisar manobras de manipulações cervicais.
Os resultados mostraram, como previsto, que a maior tensão é observada durante a rotação axial, mas, mesmo durante manipulações de alta velocidade e baixa amplitude, os valores de tensão ficaram significativamente abaixo dos limites de falha mecânica previamente documentados para essa artéria, sugerindo novamente que, durante os movimentos globais da cabeça e do pescoço, incluindo manipulações articulaes, a tensão na artéria vertebral muito dificilmente excederia os limites de segurança já investigados e publicados, evidenciando mais uma vez a segurança desses procedimentos quando executados adequadamente e por profissionais graduados em quiropraxia. (5)
Em 2015, Quesnele, Triano, Noseworthy e Wells, utilizando ressonância magnética, investigaram as mudanças no fluxo sanguíneo da artéria vertebral durante diferentes posições da cabeça e manipulações articulares cervicais. O estudo envolveu dez participantes saudáveis do sexo masculino, com idades entre 24 e 30 anos, e teve como objetivo medir o fluxo sanguíneo da AV em diversas condições, como rotação da cervical e a manipulação articular.
Os resultados indicaram que, embora tenha havido pequenas diferenças no fluxo entre os lados ipsilateral e contralateral, essas diferenças não foram estatisticamente significativas. O estudo concluiu que em indivíduos saudáveis, as manipulações cervicais não produzem efeitos hemodinâmicos significativos nas artérias vertebrais, demonstrnado a segurança dessas técnicas em populações sem fatores de risco para dissecção arterial. (6)
Por fim, no artigo "Systematic Review and Meta-analysis of Chiropractic Care and Cervical Artery Dissection: No Evidence for Causation", publicado pelo departamento de neurocirurgia da Penn State Hershey Medical Center, os pesquisadores Church et al., investigam a relação entre a manipulação cervical quiroprática e a dissecção da artéria cervical.
Os autores, seis médicos neurocirurgiões, conduziram uma revisão sistemática e uma meta-análise de estudos publicados para determinar se há uma relação causal entre as manipulações articulares e esse tipo de lesão.
Após a análise de 253 artigos, seis estudos atenderam aos critérios de inclusão. A meta-análise revelou uma pequena associação entre cuidados quiropráticos e dissecção arterial (OR 1,74; IC 95% 1,26-2,41), mas os autores classificaram a qualidade das evidências disponíveis como "muito baixa" segundo os critérios GRADE.
Os resultados indicam que a associação observada pode ser explicada por vieses e fatores de confusão, como a associação conhecida entre dor no pescoço e dissecção arterial, uma condição que frequentemente leva os pacientes a buscar tratamento de quiropraxia. Ou seja, o paciente já estaria sofrendo da condição e, devido a um dos sintomas, teria procurado tratamento de quiropraxia, criando uma falsa noção de causa e consequência em relação às manobras.
O neurocirurgião Church e seus colegas concluem que não há evidências convincentes de uma ligação causal entre manipulação quiroprática e a dissecção da AV, destacando que a crença nesse tipo de relação pode gerar consequências negativas, como aumento no número de litígios (7)
Resumo e Conclusão
Todas as evidências indicam que, quando realizadas corretamente e por profissionais qualificados, as manobras de manipulação cervical são procedimentos seguros. Estudos revisados mostram que as manipulações feitas por quiropraxistas graduados geram tensões significativamente menores do que aquelas observadas em movimentos diários do pescoço, permanecendo bem abaixo dos limites que poderiam causar danos mecânicos.
Pesquisadores médicos e neurocirurgiões, sem conflitos de interesse, afirmam que não há evidências convincentes que associem manipulações cervicais à dissecção arterial, especialmente em pacientes sem fatores de risco pré-existentes.
No entanto, é importante destacar que a maioria desses estudos não considerou casos com aumento de risco natural, como calcificações severas e comorbidades. Isso reforça a importância de uma anamnese e exames detalhados.
Com base em uma avaliação bem executada, o quiropraxista terá as informações indispensáveis para garantir um tratamento seguro e identificar quando são necessários exames adicionais ou o encaminhamento do paciente para cuidados médicos emergenciais.
A confusão entre profissionais qualificados e não qualificados pode levar a associações equivocadas sobre os riscos do procedimento. Isso ressalta a importância da regulamentação e da formação em quiropraxia com base em padrões internacionais e diretrizes da OMS.
É indispensável que os pacientes procurem quiropraxistas graduados para garantir a maior segurança e eficácia do tratamento.
Referências
- 1. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Diretrizes sobre a quiropraxia.
- 2. FAGUNDES, Caroline; HERZOG, Walter. Strain of the vertebral artery during passive neck movements and spinal manipulation of the cervical spine: An observational study. Journal of Bodywork & Movement Therapies, v. 40, p. 569–574, 2024.
- 3. HERZOG, Walter.; SYMONS, Bruce. The mechanics of neck manipulation with special consideration of the vertebral artery. Journal of the Canadian Chiropractic Association, v. 46, n. 3, p. 134-136, 2002.
- 4. SYMONS, Bruce P.; LEONARD, Tim; HERZOG, Walter. Internal forces sustained by the vertebral artery during spinal manipulative therapy. Journal of Manipulative and Physiological Therapeutics, v. 25, n. 8, p. 504-510, 2002.
- 5. PIPER, Steven L.; HOWARTH, Samuel J.; TRIANO, John; HERZOG, Walter. Quantifying strain in the vertebral artery with simultaneous motion analysis of the head and neck: A preliminary investigation. Clinical Biomechanics, v. 29, p. 1099-1107, 2014.
- 6. QUESNELE, Jeffrey; TRIANO, John; NOSEWORTHY, Michael; WELLS, George. Changes in vertebral artery blood-flow following various head positions and cervical spine manipulation. Journal of Manipulative & Physiological Therapeutics, v. 37, n. 1, p. 22-31, 2014.
- 7. CHURCH, Ephraim W.; SIEG, Emily P.; ZALATIMO, Omar; HUSSAIN, Namath S.; GLANTZ, Michael; HARBAUGH, Robert E. Systematic review and meta-analysis of chiropractic care and cervical artery dissection: No evidence for causation. Cureus, v. 8, n. 2, p. e498, 2016. DOI: 10.7759/cureus.498.