Por Igor Sério Barbosa
curso de quiropraxia
Na qualidade de estudante de uma profissão que é tão jovem em sua origem e ainda mais jovem no Brasil, é bastante natural nos depararmos com algumas dificuldades iniciais, especialmente no que tange definições, terminologia, finalidade e diferenciação clara e objetiva daquilo que um profissional da Quiropraxia efetivamente faz.

Num primeiro momento somos tomados de entusiasmo, alegria e empolgação em torno de uma profissão bastante promissora, gratificante e que está intimamente relacionada com saúde e bem estar. Ao se envolver com os estudos, logo de saída nos deparamos com alguns problemas, como por exemplo, o que é quiropraxia? O que é, afinal, essa tal de subluxação vertebral? Muitos de nós, estudantes, geralmente ingressamos nos estudos da quiropraxia por conta do contato com outro quiropraxista, provavelmente um que tenha nos atendido, e é bastante comum que um quiropraxista utilize técnicas complementares, como por exemplo, kinesio tape, graston, etc, e por conta disso, em muito pouco tempo, passamos a ouvir de professores e ler tem textos termos novos como straights e mixers, referindo a duas grandes formas distintas de se pensar quiropraxia: uma supostamente pura, e outra supostamente não pura, respectivamente. Eventualmente nos deparamos também com mais termos, como pure straight e medical chiropractor, porém deixarei essas outras duas diferenciações para um outro dia, utilizando um espaço mais dedicado a isto.


Esse pequeno texto pretende ser meramente um resumo do entendimento deste que vos escreve para quem sabe auxiliar o colega estudante a se localizar nesse novo oceano de terminologias que é essa profissão. De antemão peço licença para informar que este texto não pretende ser imparcial, e reflete meu posicionamento atual acerca da profissão, porém, ainda em processo de construção, possível desconstrução e reconstrução.

Ao começar com a questão inicial de o que é a Quiropraxia, podemos começar a tentar responder que trata-se de uma profissão que cuida da coluna, entendendo profissão como uma ocupação especializada de um indivíduo no seio de uma sociedade. Mas isso só não basta, porque o ortopedista, o massagista, o osteopata e o fisioterapeuta também cuidam da coluna. Já ouvi dizer que o que diferencia o quiropraxista dos demais é a “especificidade”. Esse argumento não pode ser satisfatório, uma vez que qualquer um dos demais profissionais que também cuidam da coluna podem exibir essa tal especificidade, às vezes, inclusive, muito superior ao do quiropraxista, seja por técnica, seja por talento, quando relacionado à manipulação articular.

Eis, pois, que nos deparamos com dois termos que talvez possam nos ajudar. Ajuste e manipulação articular. A manipulação articular trata-se do reposicionamento de um osso em relação a outro ligado ao primeiro por uma articulação. Algo que tanto o quiropraxista quanto todos os demais profissionais listados acima também realizam. Já o ajuste, além de poder ser uma manipulação articular, possui uma singularidade, a saber; ele corrige uma subluxação vertebral.

Muito bem, agora conseguimos resolver parte do enigma. Quiropraxia é a profissão que cuida da coluna através do ajuste, que é a correção da subluxação vertebral. Agora surge um outro enigma. O que é uma subluxação vertebral?

Aqui nós podemos nos adiantar um pouco e anunciar que existem duas coisas, a Subluxação Vertebral de um lado, e o Complexo de Subluxação Vertebral do outro. Muitos profissionais utilizam os dois termos indiscriminadamente, alguns apenas um, outros apenas outro, e alguns dizem tratar-se da mesma coisa. Com alguma leitura e muita discussão, hoje tenho para mim que são termos absolutamente distintos, e a maneira que eles são utilizados revela seu posicionamento diante da profissão.

Vamos começar pelo mais curtinho, a subluxação vertebral. A subluxação vertebral é o desalinhamento de uma vértebra em relação à vertebra superior, à vertebra inferior ou a ambas, causando um estreitamento do forame, gerando uma pressão no nervo e interferindo na transmissão do impulso mental. Vou me deter um pouco no termo mental, e colocar em relevo o fato de que o impulso mental não é a mesma coisa que o impulso nervoso, pois isso é muito importante e faz toda a diferença. Faz toda a diferença porque o impulso mental não tem como ser medido. É um conceito puramente teórico e aparentemente metafísico. É a qualidade última do impulso, a informação específica, o “pensamento” contido nesse impulso. Já o impulso nervoso temos como medir. Podemos dizer que ele é quantitativo, é o movimento elétrico e químico da informação entre o cérebro e a parte enervada. 


Todos já devem ter ouvido falar que a quiropraxia é uma profissão composta de três grandes pilares: filosofia, ciência e arte. A filosofia da quiropraxia é vitalista, em oposição à filosofia da medicina tradicional, que é mecanicista. De maneira resumida, afinal, não há espaço aqui para tratarmos de todos os princípios da filosofia quiroprática, um ramo da quiropraxia entende o vitalismo de uma perspectiva criacionista, enquanto que outro, mais próximo da ciência, entende que nosso corpo é o resultado de 4567 bilhões de anos de evolução, de tentativa e erro na luta pela sobrevivência do organismo, que resultou nesse organismo absolutamente complexo. 


De todo modo, seja de um ponto de vista ou de outro, filosoficamente ambos contam com os conceitos de Inteligência Universal e Inteligência Inata. Inteligência Universal diz respeito à lógica de organização da matéria. Do ponto de vista do quiropraxista, o mundo é organizado. Há cientistas que defendem a ideia do caos, mas isso é uma questão de ponto de vista, e não há intenção de, neste texto, discutir quem está certo ou errado. O que importa aqui é que para a quiropraxia a matéria é organizada segundo uma lógica inteligente, e a matéria viva pertence a um subgrupo, cujas leis estão subordinadas às leis Universais, mas possuem um algo a mais. Essa matéria viva estaria subordinada a uma segunda ordem lógica que os quiropraxistas chamam de Inteligência Inata. Às regras da Inteligência Inata, apenas para fins de compreensão mas não de transcrição ou tradução, podemos fazer uma analogia simplista com o conceito de homeostase, que é o esforço de um organismo de tentar manter-se em equilíbrio enquanto ele ainda estiver vivo. Depois de morto, sua lógica pertence exclusivamente ao campo da Inteligência Universal. A matéria comum, se você esquentar ou esfriar ela, ela esquentará ou esfriará. A matéria viva, se você esquentá-la, ela procurará se resfriar de algum modo, se você esfriá-la, ela tentará se aquecer para se manter em equilíbrio.

Hipoteticamente, nosso corpo, já deste ponto evolutivo, é bastante capaz e habilitado para caminhar rumo à saúde, desde que não o atrapalhemos. Para isso, devemos ter uma boa dieta (seja lá o que significa isso), realizar exercícios corretamente (seja lá o que significa isso), e ter o sistema nervoso livre de interferências (isso, sim, sabemos o que significa: subluxações corrigidas!).

A medicina tradicional, mecanicista, aborda a questão da saúde por um outro ângulo. Ela circunscreve situações clínicas, delimita um quadro, nomeia doenças e cria tratamentos para essas doenças. Doenças são entidades clínicas que a medicina busca combater e eliminar, e para isso ela se vale da ciência positivista. A ciência é positivista porque busca demonstrar, mensurar e medir seus objetos de estudo. É preciso que o que quer que se esteja estudando, essa coisa deve ser passível de ser detectada, vista, sentida, contada, nem que seja através de aparelhos.

E é aqui que nos deparamos com a diferença entre subluxação e complexo de subluxação. Na subluxação não temos como medir o impulso mental. Mas podemos medir outras coisas que estão relacionadas com a subluxação, como a restrição de movimento de um segmento vertebral, alteração na musculatura, alteração na transmissão de impulso neurológico, atividade celular e fisiologia do corpo. Complexo de subluxação vertebral refere-se portanto ao conjunto dessas alterações causadas pela tal da subluxação vertebral. Acontece que como a quiropraxia precisa ser uma profissão reconhecida, porque numa sociedade estruturada definições são importantes para que as pessoas possam se organizar em comunidades e viver em harmonia, bem como cada profissional no seu quadrado por questões de diversas ordens, inclusive mercadológicas, é necessário dialogar com as demais profissões da área da saúde. Faz-se necessário traduzir o termo Subluxação Vertebral, nascido da filosofia vitalista da quiropraxia para o linguajar das ciências positivistas que precisa medir e mensurar, portanto, surge o Complexo de Subluxação Vertebral. 

Quiropraxistas straights adotam o termo Subluxação Vertebral, ou apenas Subluxação, e acusam mixers de saírem da linha, de abandonarem parcialmente a causa, de invadirem outras profissões, de lidarem com doenças enquanto entidades clínicas e se voluntariarem a tratar coisas que não lhes competem, e nessa briga, o rigor para com esses termos muitas vezes assume sua expressão máxima. Existe ainda, um terceiro grupo, chamado de medical chiropractor, que seria o quiropraxista que trabalha com o modelo médico. Diagnóstico e tratamento de problemas meramente mecânicos através da manipulação articular, sem considerar realmente implicações neurológicas. 

Sobre este ponto é que repouso minhas reflexões. A quiropraxia em sua originalidade, para lidar com a questão da subluxação lança mão de procedimentos que não são exclusivos da quiropraxia, mas eram território comum, por assim dizer, de outras profissões. Testes ortopédicos e neurológicos, manipulação articular, etc. Se essas coisas podem ser utilizadas visando a correção da subluxação, por que não graston, kinesio tape, massagem, exercícios, alongamento, manipulação de extremidades, crânio, etc, desde que fundamentada sua relação com a correção e prevenção da subluxação? A meu ver, por mais consolidada que esta visão esteja no mundo inteiro, e apesar de soar um tanto quanto ousado dizer isso na qualidade de um estudante de segundo ano, eu diria que não existem tais coisas como quiropraxistas straights e mixers. O que temos é, meramente, quiropraxistas mais versáteis ou menos versáteis, desde que possamos definir o quiropraxista como aquele que busca através do ajuste corrigir a subluxação, entendendo a definição de ajuste como a correção da subluxação seja lá através de que meio for, uma vez que essa remoção possa ser manual ou com aparelhos, como por exemplo, o ativador ou atlas ortogonal. 

O profissional que não estiver às voltas com o problema da correção da subluxação durante a execução do seu procedimento clínico, pode ser qualquer coisa, mas não é, num mundo que se preocupa com definições e distinções, um quiropraxista. Pelo menos não naquele momento.

Eis, pois, que a única via possível de distinção entre a quiropraxia e as demais profissões reside na Filosofia, pois é ela que dá a base do entendimento do componente mental da subluxação. Agora, se essa distinção é realmente importante, vou deixar isso para um outro texto. Respondendo então ao questionamento filosófico de uma colega que me perguntou qual a diferença entre a osteopatia e a técnica sacro-occiptal (SOT) de quiropraxia, criada por um quiropraxista que também era osteopata e traz muitas semelhanças uma com a outra: diferentemente do osteopata, o quiropraxista realiza todos os procedimentos, busca relacionar o líquor com os problemas relativos à subluxação, e através de todas as manobras e esforços, busca realizar o Ajuste.

Neste ponto do texto eu esbarro com novos problemas para os quais não tenho pressa em responder: como identificar com certeza uma subluxação? Como diferenciá-la de uma compensação? Qualquer interferência na expressão da Inteligência Inata pode ser considerada uma subluxação? Se sim, seria uma subluxação exclusivamente vertebral? Como se obtém um consenso? Creio que essas sejam questões que só o caminho da minha formação poderão me colocar no sentido de uma possível resposta.