Por Rafael Santos
quiropraxia.rafael@gmail.com

(ainda sem revisão)



Prefácio

Esse texto pediu uma espécie de prefácio para evitar confusões de interpretação, e farei isso elucidando de forma sucinta.

Meu objetivo decididamente não é colocar pontos finais, ou seja, não pretendo dar conclusões. Não sou uma autoridade, nem especialista na área abordada, e dessa forma pretendo levantar questionamentos, promover reflexões e debate para que possamos amadurecer juntos. Veja esse artigo como uma introdução para uma boa conversa de bar.

O ideal é que vocês interajam e respondam\questionem, via blog, Facebook ou e-mail, não importa. O importante é que a produção do conhecimento deve vir de várias mentes, e não só da minha, limitada e estressadinha.

Certo de que vou pecar pela obviedade: FIlosofia e Ciência são coisas diferentes, e boa parte das críticas feitas à ciência quiroprática giram em torno dessa confusão. Alguns conceitos da Filosofia da Quiropraxia são metafísicos, como as por exemplo as Inteligências Universal e Inata, e fico com Kant quando digo que os conceitos metafísicos não poderão se tornar ciência, visto que não são passivos de experimentação. Alias, Kant exemplifica exatamente sobre nossa premissa maior, uma causa para a existência..

Dito isso (Ufa!), desaparece uma parte dos questionamentos e críticas ao que chamamos de ciência quiroprática - por pura conveniência sabendo que ciência é uma só, mas que facilita a comunicação lhe conferir subtítulos como neurociência, ciências médicas, etc - surgindo, no entanto, muitas perguntas a cerca de nossa identidade profissional e outras questões filosóficas. Conto com a compreensão de todos quando digo que no lugar de um artigo, teria de escrever um livro para tentar abordar tanta coisa de uma só vez, e por isso sugiro que falemos disso em outra oportunidade, talvez durante os debates.

Por fim, vale reforçar que essa é uma “primeira edição”, e que esse artigo será ampliado e revisado sempre que pudermos melhorá-lo.

Porquê a Quiropraxia é uma ciência

Definir ciência é, por si só, uma questão complicada. Para não perder o foco, sejamos simplistas por um momento, e consideremos ciência como o conhecimento adquirido e organizado por método científico, e isso já implica em uma tonelada de de detalhes.

Mas quando falamos de um segmento específico da ciência, como por exemplo, neurosciência, astrobiologia, geometria, etc, a definição de surgimento acaba beirando a subjetividade.

Por exemplo, a exobiologia, um tipo de mãe da astrobiologia, tem como marco inicial a criação do termo, por volta dos anos 60 por Joshua Lederberg. Isso significa que ali começaram os estudos dessa ciência? Não, se houve a necessidade de um termo, é porque algo de diferente vinha sendo sistematizado e colocado sob a luz do método científico.

A geometria também mostra a dificuldade com as definições. Se pensar em toda a história da humanidade, a aplicação de conceitos da geometria podem ser observados facilmente. De embasamento para mecânica, como nas rodas de carroças, às pirâmides do egito, conceitos geométricos estão por toda parte. Ainda assim, Euclides, um matemático que viveu por volta do século III A.C. é considerado como o “pai da geometria”, ainda que muitas das proposições citadas por ele já haviam sido afirmadas isoladamente por outros matemáticos. Mas foi Euclides quem sistematizou e os compilou como um conjunto, além de provar outras proposições com base nesse conhecimento. Talvez um fator digno de atenção foi que Euclides criou um ponto de partida, ou melhor, ele criou definições claras para que todo o conhecimento pudesse ser elaborado.

Voltemos agora ao mundo da Quiropraxia. D.D. Palmer assume que não “inventou” a Quiropraxia, ele diz:

“The principles and philosophy of Chiropractic include so much that is new and wonderful, beneficial, and withal so far-reaching, that several persons have tried to make fame and reputation for themselves by an endeavor to wrest from me the honor and distinction due me as the discoverer and developer of Chiropractic. But their efforts have been fruitless because they knew neither how or where to search for the lost and hidden lore which contained the essential elements of this grand science.

The basic principle, and the principles of Chiropractic which have been developed from it, are not new. They are as old as the vertebrate. I have, both in print and by word of mouth repeatedly stated, and now most emphatically repeat the statement, that I am not the first person to replace subluxated vertebrae, for this art has been practiced for thousands of years. I do claim, however, to be the first to replace displaced vertebrae by using the spinous and transverse processes as levers wherewith to rack subluxated vertebrae into normal position, and from this basic fact, to create a science which is destined to revolutionize the theory and practice of the healing art”

Com os dois exemplos acima, fica fácil entender porque, apesar de não ter sido o primeiro, apesar de não ter inventado os conceitos, D.D. é o pai da Quiropraxia. Ele criou as definições, sistematizou o conhecimento, uniu conceitos que se interrelacionados e como que colocando uma cereja no bolo, batizou a nova ciência.

Aqui cabe um novo aviso, apesar de sentir que volto a afirmar o óbvio. Dizer que D.D. Palmer foi o pai de uma nova ciência, a quiroprática, não significa dizer que tudo que ele afirmou estava certo, e aqui entra o nosso terceiro exemplo. Os primeiros passos da neurociência surgiram em uma época onde os maiores intelectuais ainda pensavam que a alma era o motivador do corpo físico. O tempo passa, a neurociência evolui, e a Quiropraxia também! O próprio D.D. sabia disso, e em menos de 20 anos alguns erros foram corrigidos com base em novas tecnologias e descobertas. Com os primeiros passos da radiografia, descobrimos que o conceito de “osso fora do lugar” era equivocado, que a subluxação vertebral acontecia com muito menos amplitude do que se pensava, e isso é só um de muitos exemplos do progresso da ciência Quiropráxica.

Ainda hoje, as diferentes ciências médicas corrigem erros, mudam hipóteses, reformulam, etc. Medicamentos vão para o mercado, e em alguns casos precisam ser recolhidos, cirurgias passam a ser realizadas de modo muito mais conservador, diferentes funções neurais são reescritas, etc. Porquê com a Quiropraxia não pode ser assim? Essa pergunta é tanto para os quiropraxistas que se recusam a progredir, quanto para os céticos que fazem vista grossa ao embasamento pobre de muitos procedimentos médicos mas caçam veemente os procedimentos quiropráticos.

Desafios de ontem, problemas de hoje

Aqui a polêmica aumenta. Até agora tentei me manter no campo da informação, com a menor quantidade de opinião pessoal que fui capaz. A partir desse ponto, começam minhas reflexões, uma análise que, conforme citei, não busca ser o ponto final e tão pouco a conclusão. Submetamos esses achismos às críticas.

Porque a ciência quiroprática não avançou tanto quanto a médica?

Eu atribuo isso a quatro fatores principais:


  1. Tempo


A Quiropraxia começou oficialmente em 1895, e segundo alguns relatos, D.D. Palmer aceitou seu primeiro estudante oficialmente em 1898. Existem duas versões para o surgimento da Medicina, no ocidente consideramos Hipócrates (400-300 A.C.) como o pai da Medicna, ou seja, o “D.D.” dos médicos viveu há mais ou menos 2400 anos atrás, o nosso há 120 anos atrás.

É claro que a Medicina de ontem não é a de hoje, o uso de cocaína, bebdias alcoólicas, sangrias, comas forçados por choque de insulina, e até mesmo de horóscopo foram descartados. A penicilina mudou muita coisa, mas talvez um dos pontos que mais reestruturou a profissão nos últimos cem anos, foi o conceito de Medicina Baseada em Evidências, algo que a Quiropraxia, como ciência recém nascida, sempre tentou fazer, mas não contou com tamanha estrutura. Falaremos um pouco mais sobre isso adiante.

Aqui, o importante é notar que a Quiropraxia é uma ciência recente, e luta para acompanhar aquelas que já se estruturaram a mais tempo.


  1. Quantidade de profissionais


Dizia que é recente, e vale ressaltar que conta com poucos profissionais ao redor do mundo. É lindo ver como pesquisadores árabes, russos, europeus, asiáticos, americanos, africanos, enfim, de todos os cantos do mundo contribuíram para pesquisas médicas. Uma pesquisa na Russia revoluciona, em poucos anos continuam a desenvolvê-la em Portugal, e por aí vai.

Hoje a esmagadora maioria dos Quiropraxistas estão nos EUA, estima-se algo em torno de 60 mil Doctors of Chiropractica, enquanto o número de Medical Doctors, só nos Estados Unidos, gira em torno de 900 mil, pouco mais da metade especialistas de algum segmento.

Não precisa ser muito inteligente para saber que é mais fácil ter mais pessoas com vocação para pesquisa em um grupo de 900 mil do que em um grupo de 60 mil, e isso porque a conta nos EUA está a nosso favor! No Brasil, por exemplo, beiramos os 400 mil médicos, enquanto estamos buscando atingir mil graduados em Quiropraxia, e muitos dos primeiros formados não atuam. Sendo otimista, chuto que temos algo em torno de 600 quiropraxistas formados pelos moldes da OMS e WFC (World Federation of Chiropractic)  por aqui.

Menos profissionais igual menos pesquisadores.


  1. Recursos


Provavelmente esse é tópico onde levarei mais pedradas.  Para fazer pesquisas, é preciso verba. Equipamentos, local, procedimentos, mão de obra, burocracias, etc. Tudo isso pede, melhor, exige dinheiro. DIferente da Medicina, a Quiropraxia não tem uma indústria multi-bilionária por trás. Estima-se que a soma do capital movimentados somente pelas 10 maiores companhias farmaceuticas em 2013 foi próxima de U$ 10 bilhões, com margem de lucro em torno de 30%. Ainda que fosse só isso, e não é, já que essas 10 companhias representam 1\3 do mercado.

Alguns dados de 2007 (não encontrei mais recentes) estimam um gasto de U$1 bilhão para desenvolver um novo medicamento, desde as pesquisas iniciais aos testes em humanos.

Além da bilionária indústria farmacêutica financiando pesquisas, temos os fabricantes e distribuidores de produtos cirurgicos, tanto aparelhos quanto próteses, temos as instituições de ensino que também financiam e auxiliam pesquisas e, pequena mas não menos importante, as verbas do Estado que são direcionadas para pesquisa médica.

No Brasil, onde esses números são bastante frustrantes, o Governo investiu US$ 27 bilhões em pesquisas científicas gerais no ano de 2014. Claro que aqui ainda temos poucas pesquisas em Quiropraxia, principalmente pela quantidade de profissionais, mas vai levar um tempo até conseguirmos uma parte dessa verba direcionada para a profissão. A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo ) investiu em 2013, mais de R$500 milhões em diversas áreas, quase um terço desse valor foi direcionado para pesquisas médicas.

Eu não encontrei dados sobre movimentações desse tipo direcionadas para a Quiropraxia, mas sem uma indústria por trás, sem a estrutura, mão de obra e dinheiro que uma grande companhia oferece, é bastante difícil seguir um ritmo de pesquisas como o da Medicina.


  1. Interesse
Provavelmente agora as pedras virão do outro lado, mas sim, falta interesse por parte de uma grande maioria dos quiropraxistas. Muitos se contentam com a crença na filosofia dedutiva que estruturou o pensamento nos anos iniciais da profissão, enquanto outros estão felizes com os resultados clínicos.

Isso não é uma generalização, mas uma observação. Existem vários pesquisadores na Quiropraxia, mas de modo geral, os quiropraxistas precisam se interessar mais por pesquisas, mesmo que o único motivo seja fortalecer a profissão.


Medicina e Quiropraxia Baseadas em Evidências


A Medicina Baseada em Evidências (MBE) não é perfeita, na verdade existem ainda muitos desafios. Alguns críticos chegaram a afirmar que de todos os procedimentos médicos, menos 50% possui base nos moldes desejados, mas ao que parece esse número nunca foi realmente estimado, e as fontes que embasam a crítica são ultrapassadas ou tiradas de contexto.

Mas há o que se questionar, até porque isso nos ensinaria a não repetir os erros na Quiropraxia Baseada em Evidências (QBE). Por exemplo, quantos medicamentos são retirados de mercado depois de anos sendo utilizados? Quantos ofereciam riscos e foram receitados indiscriminadamente? Quanto tempo leva para, depois de uma pesquisa demonstrar que aquele procedimento tem riscos que inviabilizam o uso, para que todos os médicos atuantes parem de receitá-lo?

Essas perguntas começam a demonstrar as dificuldades que a Medicina Baseada em Evidência tem que enfrentar, e precisamos lembrar de casos como o estudo que diz que a artroscopia de joelho é menos eficiente que placebo, os estudos que parecem ter identificado um culpado diferente para o Alzheimer, as pesquisas que encontraram vínculo do uso prolongado de omeprazol como fator de risco para demência, etc.

Sobre a MBE, deixo aqui a sugestão de leitura do artigo “Os riscos da Medicina baseada em evidências”, do Prof. Doutor Genival Veloso de Franca, que fez uma análise muito interessante do tema, e que tomo a liberdade de citar:

No complexo exercício da arte médica há três níveis de incertezas que não podem ser omitidos numa análise como esta: A primeira seria relativa ao próprio paciente, quando se sabe que as pessoas são tão diferentes em seus aspectos físicos e emocionais como desiguais são os seus destinos; depois, as dúvidas que se originam no domínio de tantos meios tecnológicos e condutas recomendadas, algumas vezes até em conflito entre si, parecendo existir não apenas uma medicina, mas muitas; e, por fim, a própria postura do médico baseada em suas convicções, experiências, cultura e até mesmo nas suas habilidades pessoal
(…)
O que se viu nestes últimos anos foi uma verdadeira enxurrada de publicações médicas, algumas em notória contradição, o que torna mais complicada ainda a decisão dos médicos - principalmente dos que estão na ponta do sistema. Isto sem dúvida reflete de forma negativa sobre as ações de saúde, não apenas pelos gastos desnecessários e tempo perdido, mas também pelos prejuízos que podem trazer aos pacientes. Publica-se, no mundo, uma média 30 mil revistas biomédicas por ano. Se alguém quiser estar em dia com determinados temas mais específicos deverá ler cerca de 300 artigos e 100 editoriais por mês, nas revistas de maior destaque”

Conclusão

Não nos cabe choramingar sobre os desafios da MBE, e sim da QBE, já passou da hora de aprendermos algumas boas lições. Ou pesquisamos ou iremos perecer, em um mundo onde o interesse comercial de fabricantes de medicamento e de cirurgiões os faz caçar seus “concorrentes”, o melhor será refuta-los com propriedade, ou como dizem “bring papers”

Essa análise não tem como objetivo justificar, tão pouco servir de desculpa para a nossa jovem ciência, que está se desenvolvendo, mas começa a apresentar sinais sérios de atraso. Gostaria de expor tudo isso para que as injustiças diminuam, principalmente internamente, pois muitos dos “céticos” fazem questão de ignorar todo o contexto do problema. É muito fácil expor fraquezas, culpar por erros, criticar, mas entender o contexto é primordial para quem busca uma solução real.

Depois dessa leitura, espero que todos tenham uma clara visão do que precisamos corrigir para melhorar, e com o debate, podemos complementar e corrigir esse artigo em releituras e novas edições, formar um “MasterMind”, cada quiropraxista trabalhando como uma célula de um mesmo corpo, neurônios de um mesmo cérebro, e não como um organismo que sofre de doença auto-imune.